6.27.2021

Reabilitação de casa no centro histórico - Enric Miralles

Miralles e Tagliaube 
Miralles é um dos arquitectos mais surpreendentes do final do século XX. O seu falecimento prematuro em 2000 muito limitou o desenvolvimento de visões alternativas sobre o projecto de arquitectura. Miralles e Tagliaube trabalhavam juntos e o seu processo criativo era marcado pela irreverência e criatividade. Tudo o que faziam fugia das normas estabelecidas, quer na forma, quer nos materiais. A reabilitação da casa da Rua Mercaders em Barcelona, edifício que servia de escritório também, é um dos momentos em que esta visão alternativa e extraordinária para a arquitectura se evidencia.

A Reabilitação da habitação no centro histórico
Corria o ano de 1993, e a reconstrução das casas nos centros históricos estava longe de ser a prioridade. O cenário era bem contrário. Os centros históricos estavam abandonados e apenas se encontravam atividades de comércio de retalho decadentes ou habitações degradadas. Era pouco comum haver arquitetos a quererem ir morar para o centro ou desenvolver este tipo de projeto. O centro histórico tinha perdido a habitação e a criminalidade e decadência reinava.

A reabilitação da casa na rua Mercaders
A casa da Rua Mercaders é um projeto de arquitetura especial. O edifício é em parte resultado de um fragmento do século XVIII que havia sido ocupado por um armazém de tecidos. A reabilitação é profundamente inovadora na medida em que não procura reconstruir um palácio, mas sim mostrar toda a complexidade que a edificação sofreu. A estratégia incluiu:
- reutiliza-se o mosaico hidráulico no pavimento como se de tapetes se tratasse.
- as paredes novas são tratadas como divisórias resultantes de colagens de fragmentos (patchwork)
- mantém as estruturas de madeira
- o mobiliário é o elemento que define as funções nos espaços.
- todas as pré-existências de frescos, gessos ou de pedra de cantaria são mostradas
- todos os elementos de decoração existentes são integrados no novo cenário
- apenas alguns painéis, a piscina , a cobertura da piscina e o mobiliário são assumidamente contemporâneos
- o mobiliário é escolhido pelo conforto, excentricidade e carácter.

A reabilitação levada ao limite
O resultado da reabilitação desta casa é uma "manta de retalhos" absolutamente genial. No fundo a arquitetura da casa mostra o evoluir da história da cidade. Não se tenta recuperar o irrecuperável. Tenta-se viver com a complexidade. A reabilitação é o pretexto para mostrar as idiossincrasias da história da arquitetura. Por vezes vemos fragmentos de um palácio, por vezes vemos uma edificação gótica. Há momentos em que vemos uma peça contemporânea, há outros em que vemos uma pintura do seculo XIX. A arquitetura transforma-se em História. E a consequência é que a reabilitação desta casa passa assim para a História da Arquitetura.  

As imagens do interior da casa reabilitada





Sala de música

Sala de estar junto ao jardim

Piscina Interior

Quarto das crianças

Sala de Estar

Cozinha

Escritório

Porta de Entrada

Zona de Estar

Quarto principal

Hall de Entrada


Planta

A reabilitação como visão alternativa
Todas as oportunidades de reabilitar uma casa no centro histórico são especiais. Mas são-no precisamente porque cada uma é diferente. Na nossa pratica do gabinete temos tido imensos momentos em que podemos mostrar o que cada lugar tem de especial e como podemos inovar em cada reabilitação.
É mais comum encontrar estes fragmentos no centro histórico mas mesmo na ruralidade podemos encontrar verdadeiras pérolas. 


12.28.2020

O Primeiro escritório IT ou campus de tecnológica - Arquiteto Saarinen

O Primeiro escritório IT

Quando hoje olhamos para os campus das empresas tecnológicas de Silicon Valley como a Apple ou a Google pensamos que aquele é o último grito em instalações corporate e que no passado não houve nada que se assemelhasse.

Não podíamos estar mais longe da realidade. O primeiro escritório para a área tecnológica foi criado em New Jersey para a Bell Labs e desenhado pelo arquitecto Eero Saarinen. Este é o primeiro escritório construído de raiz para tecnologias da informação.

O nascimento do campus tecnológico

O projecto do campus tecnológico é de 1962 e representa um modo revolucionário de captar o talento para as instituições. O objectivo fundamental do projecto era garantir a máxima produtividade dos engenheiros através do trabalho criativo em equipas de vários engenheiros sem descurar o silêncio necessário para a pesquisa e o trabalho intelectual.

Para tal todo o dia normal do engenheiro é pensado para ser confortável. As instalações incluíam estacionamento e jardins com zonas de desporto, restaurantes e cafés, zonas de estar para relaxar, laboratórios para hardware e quadros e vidros em todo lado para escrita . Os gabinetes são recheados de luz natural e os corredores promoviam o debate de ideias.

É impressionante a semelhança da filosofia de conforto com os escritórios das empresas de programação que virão meio século depois.

Um espaço para ser produtivo tem de ser antes de mais belo, contemporâneo e eficaz. Saarinen sabia fazer tudo isso.

As instalações funcionaram durante mais de quarenta anos e só recentemente sofreram uma intervenção de reabilitação leve. No geral, o projecto de arquitectura foi respeitado.

 Arquiteto Saarinen

Eero Saarinen é uma arquitecto que nasce em 1910 na Finlândia e emigra para os Estados unidos em 1923 onde estuda na Universidade de Yale.


O projecto de Arquitectura 

Melhor do que descrever o projeto de arquitectura e engenharia é ver as imagens da época. É extraordinário verificar o grau de conforto a que assistimos neste local de trabalho.



Escritório Bell Labs- Arquitecto Saarinen

Átrio do primeiro IT office

Laboratórios experimentas da Bell Labs


Zonas de Lazer dos Escritórios

Pé direito Duplo dos escritórios 

Corporate Campus da tecológica Bell Labs


Escritório IT - Planta do edifício Bell labs


Quando trabalhei no desenvolvimento de escritórios como o escritório da Xing ou o escritório da Blip Betfair  tivemos sempre como referência este magnífico exemplo de trabalho, bem como o arquitecto Saarinen em mente.


4.22.2020

Geir Grung e a Casa de Campo Saudável


Geir GrungGeir Grung é um arquitecto Noruegues que nasce em Bergen em 1926 e morre em 1989. Amigo de Pancho Guedes fez também parte do Team 10.
Ficou famoso pelos trabalhos com centrais hidroelétricas em betão à vista. Contudo é importante destacar o seu trabalho no âmbito da habitação através de uma obra especial.

A Casa de campo de JongskollenLocalizada em Sandvika, na Noruega, é construída em 1963 e tem uma importância absolutamente central na forma como olhamos a casa de campo nos dias de hoje. Foi concebida para tirar partido de uma envolvente saudável para curar as doenças crónicas da época e servir de refúgio a uma vida familiar plena. No fundo localiza-se em frente dos fiordes da Noruega e do seu ar puro e tenta tirar partido de toda esta envolvente.

A Casa saudávelA par com outros trabalhos da mesma época esta casa mostra como a arquitectura pode servir para criar ambientes higiénicos e de profunda relação com a natureza. Seguem-se as orientações da época em que a radiação solar, a ventilação e o distanciamento social são vistos como vantagens para coinstruir uma arquitectura saudável e que permitia combater doenças e epidemias.

A casa funcional e sustentável na Natureza
A estratégia de criar grandes envidraçados permite gerar o efeito de estufa necessário para fornecer um aquecimento sustentável e eficiente. Ao mesmo tempo parte da construção é enterrada, permitindo assim uma inércia térmica que equilibra o conjunto da habitação. A casa está assim preparada para todos os contextos e torna-se assim um sistema eficiente em harmonia com a natureza e as boas práticas de higiene.
O ar puro, a higiene, o conforto térmico, e claro uma estética modernista são as prioridades deste importante projecto de arquitectura do arquitecto Geir Grung.

Notas pessoais
Quando desenhava a Casa Sustentável estava preocupado em criar na realidade climática portuguesa e no nosso panorama construtivo, sistemas de aquecimento e arrefecimento passivos que pudessem funcionar em conjunto com a natureza. Nessa altura lembrava-me deste projeto e das suas lições. Ao mesmo tempo, nesta altura em que combatemos o coronavírus, esta casa seria sem dúvida um refúgio excecional.

Imagens
A casa só tem sido publicada em monografias de Geir Grung e revistas de arquitectura, pelo que são raras as fotografias. Contudo mostram bem a qualidade técnica do projecto e o rigor de execução desta maravilha de aço, betão, madeira e tijolo à vista.



























8.05.2019

A Reabilitação e o Arquiteto Pikionis

A reabilitação de Edifícios
A reabilitação de edifícios é tema frequente de debate. Por um lado temos as mentalidades mais conservadoras que consideram a reabilitação como um restauro dos valores históricos que comprovadamente existiram. Esta abordagem assume por vezes uma variante onde se aceitam adaptações ou extensões que possuam uma linguagem completamente diferente. Nesta visão encontramos arquitectos como Giorgio Grassi ou Carlos Scarpa . No fundo toda a criação arquitectónica é separada da histórica com mais ou menos relevância. Acresce que mesmo esta abordagem como se pode imaginar é bastante polémica.

A reabilitação e o Paisagismo
A reabilitação dos espaços exteriores é também impregnada de conceitos arqueológicos. Procura-se frequentemente a utilização de eventos históricos para fundamentar as opções formais. Muitas praças ou jardins evocam os locais onde aconteceram episódios históricos e procuram recriá-los de algum modo. Abordagens que fujam a este paradigma são frequentemente consideradas de qualidade inferior.

O arquitecto Dimitris Pikionis
Dimitris Pikionis é um arquitecto grego nasce em 1887 e morre em 1968. Durante os anos 50 e 60 vai revolucionar por completo a abordagem à reabilitação de espaços históricos e ao paisagismo em geral. Embora poucos o saibam trata-se de um arquitecto modernista com obras executadas nos anos 30 seguindo as correntes internacionais dos seus contemporâneos. Ficará conhecido sobretudo pelo seu trabalho revolucionário junto da acrópole de Atenas.

Os caminhos da Acrópole e a Igreja reabilitada
Pikionis concebe a reabilitação de todos os caminhos da acrópole desde a colina de Philopappos, a Rua Arepagitou, a igreja Agious Demetrious e o anfiteatro.
A sua abordagem nega terminantemente critérios arqueológicos. Na impossibilidade de reconstruir as ruínas de episódios históricos profundamente díspares, o arquiteto Pikionis prefere elaborar um conceito global e coerente onde o prazer da descoberta e da fruição é o objectivo. Ao mesmo tempo põe sobre o trabalho referencias constantes à história da arte. Pikionis recicla os restos de mármore existentes pela região e constroi novos caminhos, espaços e formas.
De certo modo podemos dizer que reencarna a própria tradição grega sem qualquer espécie de mimetismo. São claras as referências os pintores como Cezanne ou aos templos japoneses como Katsura. O único objectivo é o prazer e a beleza.
Escusado será dizer que a intervenção despoleta até aos dias de hoje aprovação máxima e rejeição profunda. De um lado os que privilegiam o prazer, do outro os puristas da história.

A  Reabilitação e o Projecto de Arquitectura

Esta obra de reabilitação será para sempre uma referência para os arquitectos. Por vezes reabilitar implica reconstruir uma nova realidade uma vez que o passado pode estar demasiado fracturado e o rigor histórico não é opção que permita uma fruição real dos espaços nos dias de hoje. Na realidade a reabilitação é um processo que permite diferentes respostas e Pikionis permitiu-nos conhecer mais uma.Quando no meu trabalho der arquitecto tenho de optar sobre como reabilitar, a obra de Pikionis vem-me sempre à memória.

Vista da Acrópole desde o monte Philopappos













Reabilitação dos caminhos recicla materiais de ruínas





A reabilitação inspira-se na arte oriental japosesa

A Igreja é construida pela reciclagem de materiais



Pavimentos dos caminhos são desenhados como pinturas




Percurso reabilitado por Pikionis - Atenas
A escada composta por pedras das ruínas







3.21.2019

A residência de estudantes - Arquiteto Giancarlo de Carlo

A Residência de Estudantes

Giancarlo de Carlo já tinha trabalhado em Urbino quando é convidado a desenvolver talvez a mais extraordinária de todas as residências de estudantes. O projecto é de 1962 contudo é ainda nos dias de hoje revolucionário. Na realidade pode-se dizer que é até percursor do conceito actual de coliving.
Tal como no conceito contemporâneo de coliving existem espaços privados e zonas comuns. O que é extraordinário este projecto de arquitectura é como estes se completam de modo natural. As zonas privadas possuem iluminação própria, e uma identidade especial. As zonas comuns beneficiam de vistas explêndidas sobre o vale.
O edificio é concebido como uma pequena cidade medieval com todas as valências necessárias para estudar, viver e trabalhar em harmonia com a natureza. as formas organizam-se na topografia como uma pequena aldeia italiana.
No edifício abundam os materiais naturais e o brutalismo típico do movimento Team X a que pertencia. Betão à vista, cerâmicos, tijolo burro combinam-se naturalmente com instalações e infraestruturas à vista.
O resultado é de uma naturalidade e beleza estonteante!

A inovação do coliving

É curioso como a contemporaneidade das soluções é evidente. Hoje, mais que nunca, faz odo o sentido o uso de materiais com baixa manutenção, o equilíbrio entre privacidade e sociabilização, a relação com a luz e a paisagem. Em todos estes aspectos esta obra é um exemplo extraordinário de coliving. Enquanto arquitecto na Utopia, devo dizer que estudei a habitação partilhada como as residências de estudantes em coliving e considero que este é um dos melhores exemplos a estudar criticamente nos dias de hoje.

O arquitecto Giancarlo de Carlo

Giancarlo de Carlo é um arquiteto italiano nascido em Génova em 1919. É membro do Team X (ou team 10) juntamente com Alison and Peter Smithson, Jacob Bakema e Aldo van Eyck. Trabalhou em Urbino e dedicou grande parte da sua vida a construir uma cidade mais humana por oposição a um modernismo sem critério tão patente na geração anterior. A sua morte em 2005 deixou a arquitectura orfã de uma voz activa na luta por soluções que promovam uma sociedade mais ativa.

O projecto de arquitectura

Melhor que uma descrição são sempre as imagens. Vejamos um pequeno passeio por este projecto que nos faz olhar para a a arquitectura, a paisagem e os espaços comuns de modo totalmente diferente.

Residência de estudantes em coliving arquiteto Giancarlo de Carlo

Arquitecto Giancarlo De Carlo

O conceito de coliving
O exterior da residência de estudantes
O acesso a Ca Romanino desde Urbino
A vista de Ca Romanino

Escadas
Os espaços de coliving na residência de estudantes

Zonas de trabalho - pequeno estudio
Residência de estudantes - circulação 


Janelas para a paisagem de Urbino

O quarto e a luz zenital









6.10.2017

Unidade de Cuidados Continuados


A primeira unidade de cuidados continuados
Fruto do meu própio trabalho como arquitecto tive necessidade de investigar em particular das Unidades de Cuidados Continuados e em geral toda a história das unidades hospitalares modernas. Nesta pesquisa deparei-me com alguns factos pouco conhecidos dos arquitectos e pouco divulgados nos meios académicos.
Deste modo podemos dizer que alguns arquitectos estão claramente à frente do seu tempo e antecipam enormemente o devir histórico. O arquitecto Jacob Rechter é um destes exemplos e a primeira unidade de cuidados continuados localizada no no monte Carmelo em 1968 é prova disto mesmo.

O contexto social e os apoios estatais
Esta obra foi apelidada de Sanatório Mivtachim e possui mais de 7000 metros. Foi financiada de acordo com as políticas do estado social israelita dos anos 60 enquadradas na "zeitgeist" internacional. Era propriedade de um fundo de pensões do de uma organização laboral israelita. Esta unidade de cuidados continuados fazia assim parte da segurança social e permitia aos trabalhadores recuperarem de lesões com assistência médica num determinado período de convalescença. Mas o cuidado médico não era visto apenas como um cuidado hospitalar mas privilegiava profundamente a qualidade de vida e o conforto da estadia no período de doença.

A arquitectura dos cuidados continuados
Para além do carácter percursor do programa de cuidados continuados está o modo como a arquitectura torna sublime a arte de cuidar e centra o utente enquanto prioridade dos cuidados médicos.
Assim, todos os quartos são todos voltados para o mar mediterrâneo e os espaços comuns são colocados no rés do chão. O edifício é materializado em betão armado nos pilares e rés-do-chão. Na restante parte o edifício é rebocado como que levitando sobre o topo da encosta. O mais extraordinário é que se por um lado o arquitecto faz usos de materiais como o betão armado associados ao movimento conhecido como "Brutalismo", por outro lado mistura-o com o carácter mediterrâneo de uma aldeia branca ou a forma orgânica de um elemento natural. Para descrever esta obra, sublime é o minímo que nos pode ocorrer!
A chegada à unidade de cuidados continuados

No piso térreo os cuidados comuns

As zonas de lazer nos jardins da unidade

Os espaços de estar para receber visitas

As vistas esplendorosas sobre o mediterrâneo

A unidade de cuidados continuados no cimo da colina

As zonas de circulação em betão à vista

Os espaços de convívio